A PAUTA É A IMAGEM ESTEREOTIPADA DO NORDESTE – Em “A Invenção do Nordeste” o  Grupo Carmin, do RN, traz a cena o debate sobre identidade e xenofobia

A Invenção do Nordeste - foto © Rogério Alves - 29
Em 2016, o Grupo Carmin, do Rio Grande do Norte, fez sua primeira temporada no Rio de Janeiro com o documentário cênico “Jacy”, no Sesc Copacabana. Em 2017, o grupo potiguar celebrou 10 anos de atividades, lançou o livro Década Carmin e concebeu um novo espetáculo, a comédia dramática “A Invenção do Nordeste”, espetáculo com o qual o grupo discute o estereótipo em relação ao povo nordestino e quanto essa imagem é alimentada pelos próprios habitantes da região. Na trama, um diretor (papel de Henrique Fontes) é contratado por uma grande produtora para realizar a missão de selecionar um ator nordestino que possa interpretar com maestria um personagem nordestino. Depois de vários testes e entrevistas dois atores norte-riograndenses (representados por Mateus Cardoso e Robson Medeiros) vão para a etapa decisiva, onde o diretor terá sete semanas para deixá-los prontos para o último teste. Durante o período de preparação, os atores refletem a respeito de sua identidade, cultura, história pessoal e descobrem que ser e viver um personagem nordestino não é tarefa simples. Afinal, existiria apenas uma identidade nordestina? A temporada no Rio de Janeiro acontece de 12 a 29 de julho, no Mezanino do Sesc Copacabana, quintas, sextas e sábados, às 21h e domingos, às 20h.
O espetáculo do Grupo Carmin é uma obra de auto-ficção baseada no livro “A Invenção do Nordeste e Outras Artes” do Professor Dr. Durval Muniz de Albuquerque Jr., dirigida por Quitéria Kelly, com dramaturgia de Henrique Fontes e Pablo Capistrano, que propõe desenhar a trajetória hilária e por vezes conflitante da história recente do estabelecimento da região nordeste. Essa unidade sociopolítica e cultural com todas as suas individualidades e também todos os estereótipos alimentados por décadas pela literatura, cinema, música e artes visuais brasileiras.
 
“A Invenção do Nordeste” estreou em agosto de 2017, na Casa da Ribeira, em Natal, neste mesmo ano participou da Mostra Sesc Velho Chico, em Petrolina, do Festival O Mundo Inteiro é Um Palco, em Natal, do Festival MARTE, em João Pessoa, cumpriu temporada no Sesc Belenzinho, em São Paulo e apresentou-se no Itaú Cultural da Av. Paulista. Em 2018, foi apresentado no CCBNB de Juazeiro do Norte, no Festival TREMA!, em Recife e fez circulação pelas unidades do Sesc SP de Araraquara, Piracicaba, Campinas e Ribeirão Preto. Por suas atuações, os atores Mateus Cardoso e Robson Medeiros foram indicados ao Troféu Cultura RN na categoria Melhor Ator e o Grupo Carmin, nesse mesmo prêmio, concorre na categoria Artista do Ano.
 
Espetáculo é motivado por reações xenófobas contra nordestinos
 
Motivada por uma série de reações xenófobas contra nordestinos, durante as eleições presidenciais de 2014, a atriz Quitéria Kelly, do Grupo Carmin, entrou em contato com a obra do Professor Dr. Durval Muniz de Albuquerque Jr., que escreveu o livro “A Invenção do Nordeste e Outras Artes”. Quitéria então compartilhou com os demais integrantes do grupo, o seu desejo de criar uma peça que contribuísse para a desconstrução da imagem estereotipada do Nordeste e do(a) nordestino(a). Seria seu primeiro trabalho como diretora. Durante 2 anos de pesquisa, o grupo mergulhou nos questionamentos dos mecanismos estéticos, históricos e culturais que contribuíram para a formação de uma visão do nordeste brasileiro como um espaço idealizado, deslocado do processo histórico e imune ao impacto das grandes transformações sociais. A partir daí, os dramaturgos Pablo Capistrano e Henrique Fontes escreveram a auto-ficção “A Invenção do Nordeste”.
 
Diretora comenta os caminhos da montagem
 
“A gente não conhece o Brasil e o Brasil não conhece o Brasil”, comenta a diretora Quitéria Kelly. “Tudo começa com a ideia de chamar de nordestinos todos que nasceram nos nove Estados da região, enquanto no Sudeste se usa os termos paulista, mineiro e carioca, para diferenciar quem veio de São Paulo, Minas e Rio.” Na trama de A Invenção do Nordeste, um diretor prepara dois atores nordestinos para um deles protagonizar o personagem nordestino de um filme gravado em solo nordestino. “Aqui temos experiências muito parecidas”, conta Quitéria. “É comum pedirem que a gente exagere no sotaque quando participamos de testes de elenco. Como isso pode ser possível?” Para a diretora, a história de formação da região trazida na obra do Professor Dr. Durval Muniz de Albuquerque Jr. tem muito a dialogar com o que sabemos sobre o país. “Em 1915, alguns Estados passaram por uma grande seca e receberam ajuda humanitária do Governo Federal”, explica Quitéria. “Houve uma divisão oportuna entre Norte e o então chamado Norte do Leste, marcando historicamente esse novo Nordeste com essa estética da fome, das cores ocres e do povo sempre migrando.” Os aspectos políticos e a cultura dos coronéis ainda reinam no Nordeste e estão presentes na cena, além da descoberta de uma recente onda separatista que planeja emancipar a região do resto do Brasil, movimento semelhante ao Sul. “Descobrimos grupos fechados que defendem a independência do Nordeste de modo radical. Eles constroem argumentos com os quais a população em geral concordaria facilmente.” Desde Jacy, que fez temporada no Rio de Janeiro em março de 2016, essa estética regionalista se instaura na cena menos como inspiração criativa e mais como objeto de discussão. Com a linguagem audiovisual erigida por Pedro Fiuza no palco, a peça criou surpresas pelos nove Estados brasileiros por onde foi apresentada. “No Sul, a plateia disse que a peça não parecia teatro nordestino. Isso foi dito como elogio, o que nos soa estranho, mas nós sabemos o que significa”, afirma Quitéria Kelly.
(recorte de matéria publicada no Jornal O Estado de São Paulo)
 
Quitéria Kelly interpretou Umberlina, na super série Onde Nascem os Fortes
 
Depois de alguns testes, para participar da super série Onde Nascem os Fortes, com direção geral de José Villamarim e escrita pelo pernambucano George Moura e Sérgio Goldenberg, Quitéria Kelly foi escalada para interpreter Umberlina, dona do bar onde acontece uma briga que culmina no assassinato do filho e irmão das protagonistas, vividas respectivamente por Patrícia Pillar e Alice Wegman. A super série é recheada de histórias de conflitos entre famílias, vinganças, amores proibidos e tudo isso ambientado na paisagem dura e seca do sertão brasileiro. A seguir a atriz relata sua experiência.
 
– Minha participação foi pequena mas a experiência foi incrível. Mais da metade do elenco era formado por atores e atrizes nordestino(a)s originários de grupos de teatro ou que tinham uma larga experiência com atuação e que eram completamente desconhecidos da maior parte do público que assiste novelas. Um aspecto que me atraiu para fazer essa participação foi o fato da obra fugir do anacronismo tipicamente associado a essa região. A super série foi praticamente toda gravada em Cabaceiras, em Pernambuco.  A produção montou uma mega estrutura e se instalou na região durante praticamente oito meses.
 
“A experiência de gravar no sertão é muito forte, porque a paisagem seca, as pedras aparentes e a vegetação espinhosa faz parte de um imaginário que alimento desde a infância, em imagens sonhadas por uma menina que nasceu e cresceu em um nordeste urbano e litorâneo.
 
“No entanto, a luta dos atores nordestinos por um espaço de protagonismo das narrativas contemporâneas está longe de ser alcançada, apesar de obras como esta mostrarem que é possível criarmos trabalhos de altíssima qualidade com novos sotaques, novas caras, novas visões para esse lugar chamado Nordeste.
 
“A peça que dirigí com o meu Grupo Carmin, “A Invenção do Nordeste”, fala deste imaginário inventado e travestido de identidade para nós que nascemos e vivemos no nordeste brasileiro. Região tão diversa, quanto qualquer outra do Brasil, o Nordeste ainda arrasta seus mitos e símbolos gerando preconceitos e criando dicotomias que só interessam àqueles que, de dentro ou de fora do Nordeste, se beneficiam com isso.
 
“Viver a Umberlina em Onde Nascem os Fortes, dirigido com um olhar que superava esses preconceitos, me proporcionou defender uma personagem sertaneja sem ser necessariamente faminta, miserável, retirante ou ignorante. É muito Importante que as novelas e séries possam ajudar a romper esses estigmas, que ainda hoje reduzem qualquer cidadão dos mais de 1.700 municípios do nordeste a um ser, como quis Euclides da Cunha, “desengonçado, torto [e] … permanentemente fatigado.”
 
Década Carmin
 
O Grupo Carmin foi criado em janeiro de 2007, em Natal, com o desejo de pesquisar temas urbanos que pudessem ser retratados de forma cômica. A busca pelo riso não era gratuita e deveria proporcionar abertura para reflexão ou, como quis Georges Bataille, para uma “atitude filosófica”. Motivados pela pesquisa proposta pelo Grupo Clowns de Shakespeare sobre moradores de rua do bairro da Ribeira, Quitéria e Titina convidaram o diretor e dramaturgo Henrique Fontes e o cenógrafo Mathieu Duvignaud para juntos aprofundarem a pesquisa sobre o universo das pessoas que vivem nas ruas. O processo durou quase seis meses de investigação nas ruas e visitas a postos de saúde, além do trabalho de criação em sala. O resultado foi a peça “Pobres de Marré” (2007), que propõe um olhar sobre a vida de duas moradoras de rua que esperam a chegada de um dinheiro prometido. A peça percorreu 15 cidades no Brasil e participou festivais inclusive o Festivel Internationale de Rue de Aurillac, na França, em 2009.
 
Em 2009, o grupo foi convidado pela Prefeitura do Natal a dirigir o espetáculo natalino da cidade, quando Henrique Fontes e Quitéria Kelly assinaram a direção. O Auto de Natal “Maria, José e o Menino Jesus” contou com a participação de 120 atores e teve mais de 12 mil espectadores em 3 noites de apresentações.
 
Em 2010, o grupo aprofundou a pesquisa sobre exclusão social em obras teatrais clássicas. O texto “A alma boa de Setsuan”, de Brecht serviu de fio condutor para a montagem do experimento “Olha a água”, apresentado por Henrique e Quitéria na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). A partir daí, teve início a pesquisa sobre exclusão social dos idosos, explorado no espetáculo “Jacy”.
 
Em 2011, ainda motivados pela temática da exclusão social, os integrantes do Carmin decidiram levantar contos infantis que abordassem o tema, o resultado foi “Castelo de Lençóis”, onde os Três Reis Magos, símbolo da cidade do Natal, servem de mote para abordar temas como a soberba, a vaidade e a ganância.
 
Em 2013, o grupo estreia “Jacy”com grande aceitação de público e crítica. Com textos dos filósofos Pablo Capistrano e Iracema Macedo, Jacy é uma peça cômico-trágica que revela fatos sobre o abandono dos idosos, a política e o crescimento desenfreados das cidades que, por muitas vezes, ignoramos. Jacy continua em repertório cumprindo temporada em várias cidades brasileiras, tendo participado de importantes festivais do Ceará, Paraíba, Bahia e Rio Grande do Norte.
 
Em 2015, estreia “Por Que Paris?”, peça criada a partir da vida e obra da escritora indochino-francesa Marguerite Duras. Neste montagem o grupo descobriu forte relação entre seu trabalho de pesquisa em teatro documental e a linguagem usada pela escritora, que mistura ficção e realidade. A trajetória de vida de Duras em muitos aspectos se assemelha com a vida das atrizes Quitéria Kelly e Adelvane Néia.
 
Em 2017, o Grupo Carmin estreou seu 5° espetáculo “A Invenção do Nordeste”. A montagem, a partir da obra homônima do Prof. Dr. Durval Muniz de Albuquerque Jr, marca a estreia de Quitéria Kelly como diretora e traz para a cena o debate sobre identidade e xenofobia. Também neste ano o grupo lança o livro Década Carmin, para celebrar 10 anos de atividade.
 
Em 2018, o Grupo Carmin chega no seu 11° ano e é formado por Quitéria Kelly, Pedro Fiuza, Henrique Fontes, Robson Medeiros, Mateus Cardoso, Mariana Hardi e Pablo Capistrano. Alessandra Augusta é atriz convidada da peça Pobres de Marré. O tema da exclusão e a voz da rua persistem na pesquisa do grupo, que busca aprofundamento estético na linguagem de Teatro Documental.
 
Para ler mais, acesse http://www.grupocarmin.com/ e https://www.facebook.com/grupocarmin 

Ficha técnica de “A Invenção do Nordeste”
 
Espetáculo inspirado na obra homônima do Prof. Dr. Durval Muniz de Albuquerque Jr. | Dramaturgia: Henrique Fontes e Pablo Capistrano | Direção e Figurino: Quitéria Kelly | Elenco: Henrique Fontes, Mateus Cardoso e Robson Medeiros | Assistência de Direção, dramaturgia audiovisual e desenho de luz: Pedro Fiuza | Consultoria histórica e de roteiro: Durval Muniz de Albuquerque Jr. | Direção de Arte e Cenografia: Mathieu Duvignaud | Preparação Corporal: Ana Claudia Albano Viana | Preparação Vocal: Gilmar Bedaque | Produção Executiva: Mariana Hardi | Trilha Original: Gabriel Souto / Toni Gregório | Design Gráfico: Teo Viana | Xilogravura: Erick Lima | Costureira: Kátia Dantas | Cenotécnico: Irapuã Junior | Edição de Vídeo: Juliano Barreto | Locução: Daniele Avila Small | Assistência Técnica: Anderson Galdino | Produção: Paulo Mattos | Assessoria de Imprensa: Ney Motta
 
Serviço
 
Sesc Copacabana (Mezanino) – Rua Domingos Ferreira, 160, Copacabana, Rio de Janeiro | Temporada: 12 a 29 de julho, quintas, sextas e sábados, às 21h e domingos, às 20h | Ingressos: R$ 7,50 (associados Sesc), R$ 15 (meia) R$ 30 (inteira) | Informações: (21) 2547-0156 | 80 lugares | 70 minutos | 12 anos

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